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Eu gosto de acreditar que “o pensamento é um pedacinho de futuro, que permanece no campo do sentimento até o momento em que se materializa”. Eu gosto de pensar, porque, assim sendo a vida, provida da qualidade de transformar o verbo em tudo, tudo vira possibilidade a partir de um pensamento, já que tudo se inicia a partir dele e tudo se realiza a partir de um sim. Os cientistas quânticos descobriram, agora de fato, que cada ser deste vasto universo possui o predicado de construir o seu mundo, com as nuances próprias de cada um e suas preferências. É portanto que desejo a sabedoria dos filósofos, mas, ainda mais, a realização dos meus pensamentos.

sábado, 3 de abril de 2010

FEITO POR MIM


Nestes tempos de globalização em que o tempo tem se tornado algo raro, a qualidade de um produto já não é mais medida pela quantidade de itens que podem ou não agradar o consumidor, e sim, pela praticidade e rapidez em que se permite ser consumido. Produtos que não requerem manipulação são os mais apreciados e concorrem entre si a ocupação dos espaços das prateleiras de supermercado. E, se continuarmos nesta idéia, pela “lei do menor esforço”, até o famoso “agite antes de usar” pode desaparecer dos frascos de suco.

É que estamos buscando menos trabalho, pois assim sobra mais tempo para trabalhar. Que idéia maluca!!!!

Self-service... fast-food... drive-thru... são produtos desta tendência, cujos termos já são agregados no vocábulo nacional, são os termos que se tornaram comuns e tidos como necessários à nossa sobrevivência nesta selva, tudo com sentido de rapidez. Até o “café expresso” nos soa como: “beba rapidinho e volte ao trabalho”. Não dá para relaxar tomando um café expresso!

Outro dia eu precisei de um curso rápido de leitura dinâmica, porem não tive tempo sequer para fazer a matrícula; ah... pensando bem achei dispensável, já que a pratico todos os dias para a leitura do noticiário, sendo assim, acabei me tornando auto-didata nesta atividade.

Voltando ao foco, o assunto são os produtos prontos para o consumo, voltemos a ele; ah!! não antes de relatar um fato ocorrido entre os meus:

Numa tarde desses domingos, acredito eu, propositadamente transformados em momentos dedicados ao ócio, propus aos meus sobrinhos construir pipas para aproveitarmos melhor o nosso dia, pois lavar o carro eles consideraram fora de cogitação, resmungando em tom de deboche: “- para isso existem os lava-jatos”.

Bem, como previ a negativa, eu já havia preparado o material: - comprei papel já recortado no tamanho e forma necessários, varetas prontas de bambu, cola de bastão, rabiolas prontas e linha. Não precisei daquelas latinhas de leite ninho para enrolar a linha, pois encontrei uma carretilha própria, desenvolvida especialmente para empinar pipas. Perfeita!

Também não tivemos trabalho nenhum para determinar o local do “cabresto” porque, junto com a carretilha, encontramos um manual simplificado que nos deu toda a orientação no sentido de montar nosso objeto voador, até então, não identificado. Nem precisava tanto, porque o papel que comprei já tinha pontilhado o contorno por onde as varetas seriam coladas já com o grau de envergadura necessário do arco de bambu. Que empolgação...

Não preciso dizer que voltei à minha infância naqueles nobres momentos; com algumas diferenças, é claro!. À época, as pipas tinham nomes específicos conforme o seu modelo. Tínhamos o “maranhão” que consistia uma pipa maior, com estrutura mais resistente, em forma de losango e sem rabiolas longas, as quais eram substituídas por franjas nas laterais – geralmente, estas voavam mais alto e necessitavam de linhas resistentes para suportar seu peso. Outras, chamadas, genericamente, de “papagaios”, que também tinham forma de losango, mas, diferente do maranhão, tinha rabiolas ao invés de franjas, e a “pipa”, que consistia numa estrutura pequena em forma de hexágono e com rabiolas muito longas.

Lembrei-me também do quanto era difícil encontrar um papel suficientemente leve e ao mesmo tempo resistente para a confecção das minhas pipas; as varetas de bambu eram especialmente escolhidas, pois deveriam estar secas, mas não ao ponto de quebrar com facilidade, tiradas de gomos longos de bambu para evitar os nós e, assim, produzir uma uniforme flexibilidade mantendo a leveza e a resistência.

A linha não poderia ser de retroz, pois não oferecia resistência suficiente para suportar as grandes alturas alcançadas pelas boas pipas... deveria ser de carretel. Não era muito fácil consegui-las, pois se tratava de um artefato caro à época e por isso nossos pais não compravam com facilidade. O jeito era praticar algum escambo, trocando-as pelo estilingue de garrote ou pelo bilboquê esquecido na velha caixa de madeira.

Obviamente que o prazer em empinar as minhas pipas era proporcional ao trabalho que eu dispunha para construí-las e, da mesma forma, o meu ego de menino se elevava na mesma altura em que elas voavam.

Queria poder transmitir aos meus sobrinhos a mesma sensação que outrora vivi e, no fundo, também poder reviver aqueles áureos momentos embalados na minha nostálgica empolgação.

Uma pausa para a rápida viagem no tempo e então iniciamos a construção da pipa.

Tudo corria bem, o projeto já existia e por isso concentramos os esforços na execução e linha de montagem.

Precisei dar uma forcinha e explicar alguns termos técnicos que usávamos nos tempos áureos, já que o vocabulário dos meus sobrinhos foi enriquecido pela era da informática na qual nasceram e, é claro, neste contexto não se fala em rabiola, cabresto, carretel, etc... eles possuem um dialeto próprio e enigmático para nós. Mas, assimilaram rapidinho.

Decidi então produzir simultaneamente três pipas, já que dispúnhamos de mão-de-obra suficiente para isso e, assim, assumi a coordenação dos trabalhos por possuir o “know-how”.

Confesso que não exerci muito bem a minha função, pois deixei que alguns materiais fossem desperdiçados por falta de orientação, como os cortes do bambu fora da proporção do papel e a colagem de rabiolas em local incorreto, mas tudo se resolveu quando decidimos por confeccionar uma única pipa e assim preservar o controle de qualidade.

Agora sim, tudo vai bem, esforços concentrados e no peito a esperança de ver a nossa pipa voar muito alto. Todos empolgados eu e...

... onde estão meus sobrinhos? Acabou ficando comigo somente o filho do vizinho, de dois anos, encantado com o colorido do papel.

Creio que os meus sobrinhos se cansaram com a complexidade do trabalho manual... ou talvez não aceitaram a idéia de não poder usar a tecla “del” quando algo dá errado pela falta de planejamento.

Talvez a construção de uma pipa exija um esforço extra para se aproximar da perfeição, já que qualquer erro pode por a perder o seu sucesso que é voar.

Permaneci empenhado, sei que quando eles a virem voar, se acotovelarão para disputar a posse da linha.

Pronto! Terminei o nosso objeto voador, agora sim identificado. Ficou bárbaro e passou nos primeiros testes de vôo. Sei que será um sucesso.

Chamei os garotos para o vôo inaugural e ouvi um desanimado - “espere um pouquinho tio, estamos terminando uma partida de videogame”. - Não tem problema, eu espero.

Tive que conter a minha empolgação, pois não quis por a voar a nossa obra sem que eles estivessem presentes. Vinte minutos se passaram e mais uma vez eu clamei a presença dos atores principais deste capítulo. O vento estava perfeito para o belo desempenho daquela que seria a nossa marca no firmamento - algo feito pelas nossas próprias mãos lá no céu.

Mais uma vez chamei, não conseguindo mais conter o meu ímpeto de ver voar a nossa pipa. Foi então que vieram, mas com um alerta: “ - Tem que ser rápido, tio, porque marcamos uma conversa no “msn” e a galera está esperando”.

- Tudo bem, vamos ao campinho porque o vento já está soprando, será um sucesso!!.

Os adolescentes desta geração são muito atarefados, têm muitas atividades e por isso precisam ocupar bem o tempo, mas vou tentar ser breve e mostrar um pouco do que fazíamos no meu tempo de adolescência.

O vôo foi um sucesso, resultado de muitos experimentos que ainda moravam na minha memória. Delirei ao ver a pipa viva no ar e subindo a cada vez que a oferecia fatias de liberdade ao soltar mais linha.

Em um instante eu voltei aos meus doze anos, pude respirar aquele mesmo ar de alegria e senti como se fosse ouvir o chamado da minha mãe para o banho, pois era chegada a hora de se preparar para ir à escola.

Desejei então compartilhar aquele momento com os meus companheiros de trabalho, mas estive tão empolgado que não os vi voltarem para casa; com um grito me disseram: - “valeu tio, parabéns pela pipa!”

Aproveitei meu momento mais alguns minutos e recolhi a pipa.

Voltei para casa e encontrei um deles no computador e, os outros dois, dormindo. Não percebi que estavam cansados...

Creio que não escolhi uma boa hora para mostrar algo diferente para estes garotos. Ou talvez eu não houvesse dado conta que também os domingos já se encontram disponíveis, como enlatados na prateleira do supermercado, prontos para serem consumidos, não precisando assim, de que eles sejam feitos por mim.

3 comentários:

  1. Amigo....as vezes me assusto e me frusto com esta"vida moderna". Vejo as crianças e adolescentes de hoje vivendo 100% tecnologia..Que saudades dos tempos em que eu mesma fazia aquele carrinho de rolemã e desembestada descia a rua. Hoje nossos filhos enfrentando a polemica das "pulseiras do sexo" e na nossa época era aquela brincadeira inocente de beijo, abraço e aperto de mão. Maldade??? me lembro que a maior que fiz foi cavar uma careta horrorosa em um mamão verde e colocar uma vela dentro achando que assustaria o mundo...
    Eu era "moleca" demais, mas vc construindo a pipa, ou papagaio, me fez lembrar os meus raros momentos "menina" em que eu fazia coleção de bonecas de papel. Neste exato momento vem ä minha cabeça uma dúvida: Será que eu gostava de brincar com elas pois meus pais não podiam comprar aquela linda boneca de olhos azuis que tanto queria??? ou, revivendo um pouco o passado, acho que na verdade me divertia ficando horas entretida com aquele trabalho manual que eu mesma criava e dava vida..
    Quantas pipas, maranhoes, avioes e foguetes de papel eu fiz... Quantos albuns de figurinhas completei...Sabe qual foi o presente que meu filho ganhou e que mais me marcou??? Um caminhao de madeira, presente de seu avo paterno. Na mao do meu saudoso sogro faltavam alguns dedos, perdidos pelo seu trabalho de carpinteiro, mas o carinho e amor qeu ele depositou enquanto fazia o brinquedo para o seu neto me emociona até hoje.
    Obrigado por me proporcionar essas deliciosas lembranças...
    bjs
    Luciennne

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Saudade... Lu, mas saudade recheada de alegria.
    Quanto privilégio temos em viver esta geração... a geração que curtiu as brincadeiras dançantes de garagem, as brincadeiras largadas... na rua, bets... bola queimada... e, talvez por isso, por termos aproveitado cada momento desta vida é que permanecemos com o mesmo espírito de criança ainda hoje.
    Obrigado pelo delicioso comentário e por despertar estas lembranças.
    bjuuuss
    Nunes

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