Quem sou eu

Minha foto
Eu gosto de acreditar que “o pensamento é um pedacinho de futuro, que permanece no campo do sentimento até o momento em que se materializa”. Eu gosto de pensar, porque, assim sendo a vida, provida da qualidade de transformar o verbo em tudo, tudo vira possibilidade a partir de um pensamento, já que tudo se inicia a partir dele e tudo se realiza a partir de um sim. Os cientistas quânticos descobriram, agora de fato, que cada ser deste vasto universo possui o predicado de construir o seu mundo, com as nuances próprias de cada um e suas preferências. É portanto que desejo a sabedoria dos filósofos, mas, ainda mais, a realização dos meus pensamentos.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

CORRENTE DO BEM x COMPROMISSO PRECIOSO


A arte tem o predicado de significar coisas que a razão às vezes não consegue fazer.

Seja na música, cinema, dança ou nas nuances de uma bela escultura, sob qualquer expressão, ela declara os pensamentos que foram moldados na inspiração do artista de um jeito que só o coração pode perceber. Assim, por conseguir transpor a minha alma, a arte me faz emergir compreensões que com palavras seria impossível ou, no mínimo, complexo.

Ora, se a arte possui este poder de invadir a consciência, ela acaba também me deixando vulnerável. Porque quando a consciência se abre as suas paredes são impregnadas com os novos conceitos. As mensagens, então, não passam sem deixar resíduos.

O ar está repleto dessas mensagens vivas influenciando, transformando, construindo e consumindo sem que eu imediatamente perceba, porque estão além dos cinco sentidos naturais. É preciso estar atento à mais sutil percepção, a da alma, para assim não se deixar levar enxurrada abaixo. Porque as mensagens ocultas nas entrelinhas e na forma podem ser espelhos das tendências pessoais do artista, sendo positivas ou não.

Outro dia eu pude fazer uma leitura, nesta ótica, de dois filmes: CORRENTE DO BEM e COMPROMISSO PRECIOSO.

O primeiro fala de um garoto que tem uma ideia para desenvolver o trabalho proposto na disciplina de Estudos Sociais. Ele iniciaria uma "corrente do bem". Uma espécie de onda em que as pessoas passariam para frente um bem recebido.

O segundo filme conta a história de uma família que sofre pela doença contraída pela mãe. São pessoas tentadas a buscar suas próprias satisfações e desejos enquanto que os valores originais gritam por sobrevivência.

Vi que o primeiro fala muito do bem, no entanto, em momento algum mostra o verdadeiro bem, pelo contrário, diz diversas vezes que este mundo é uma "m..."; o pai do garoto é uma pessoa violenta e nem por isso tentam transformá-lo, querem só afastá-lo do filho. Outro pai, o do professor, também pratica violência. A mãe do garoto é alcoolista e indiferente, abandonou a própria mãe, mas os seus atos foram justificados pela violência que sofreu do marido e da mãe e, o próprio garoto protagonista da trama, é uma pessoa que aprecia cenas violentas e outros conflitos do gênero.

Fiquei com a falsa imagem de uma mensagem boa, porque uma "corrente do bem" não poderia ser má. Engano !... quando este filme termina, se inquirido o sentimento, serão ouvidos resquícios de vingança, desprezo, desesperança e tristeza contaminando a alma de quem o assistiu.

Um filme assim poe à prova a minha noção de bem e de mal. Principalmente se macular a imagem do meu pai genitor, porque assim também se macula a imagem do pai Deus. É esta a grande sacada de quem deseja espalhar as suas matadelas nas mentes alheias.

O segundo filme não fala do bem, só mostra exemplos reais do bem. Não mostra a separação de pessoas como verdade, mas a transformação delas. Não valoriza a busca de prazeres efémeros, mas a paz perene pela fidelidade e lealdade... e assim segue.

Não seria assim uma corrente verdadeira do bem?

Se a referência define a resposta, então eu prefiro tomar o amor. Porque, por ele, eu creio que a verdadeira corrente do bem é ajudar na transformação daqueles que desejam evoluir e não eliminá-los. Nas suas primícias estão atitudes construtivas e comprometidas com a evolução e a paz comum, porque se a corrente do bem estiver baseada no amor, qualquer ato ou palavra servirá para a construção deste bem.

E não é difícil enxergar o que está nas entrelinhas porque elas deixam rastros. Por exemplo: - nestes dois filmes há um momento comum, no primeiro, a mãe do garoto disse para a sua mãe que a perdoa.

Penso que ninguém que tenha descoberto a força do perdão usaria esta palavra de forma tão arrogante e pretensiosa. Quando tomo a iniciativa do perdão, devo pedir perdão e não dizer que eu perdoo. O ato do perdão é silencioso, ou seja, não se fala, a não ser que se peça a sua confirmação.

Já no segundo filme, um homem chega ao seu irmão e pede perdão a ele. Pedir perdão significa mudança real para o bem e se faz eficaz mesmo quando quem de fato necessita ser perdoado não é quem o pede.

Assim muitos filmes seguem levando e trazendo novos conceitos, como também o: CIDADE DE DEUS, dirigido por Fernando Meirelles, que, apesar de mostrar algumas cenas violentas, dá a real compreensão de como foram e são formados os "delinquentes" do nosso país. O filme remete à reflexão construtiva e ao comprometimento de todos.

No mesmo período uma rede de televisão exibiu o seriado CIDADE DOS HOMENS, com o mesmo elenco e enredo, porém desvirtuou o caráter construtivo do filme.

Assim a mídia me bombardeia, fazendo confundir a minha consciência de verdade e influenciando nas minhas atitudes, das quais sou o único responsável.

Sei que são detalhes e que se confundem facilmente com a simbologia, mas eles iluminam atitudes que fazem diferença, principalmente para quem deseja saborear a verdade que é a vida.



Nunes

quinta-feira, 24 de junho de 2010

filme: PONTO DE MUTAÇÃO


Tenho estudado física quântica (somente o conceito) e por isso, acabei divagando nas explicações científicas dadas neste filme. Pensar na vida como uma "imagem" criada é pensar na vida como composta essencialmente de possibilidades, ou seja, a vida é o campo das possibilidades, as quais podemos moldar e alterar bastando encontrar o ângulo desejado da incidência desta luz no prisma. É maluco, mas acredito nisso e faço de mim o meu próprio laboratório.

Porém, a despeito da intenção do autor, de disseminar um novo conceito de vida e, desta vez, baseado nas quantas de luz que influenciam a vida no tempo, eu não poderia deixar de comentar o meu ponto de mutação:

Bem, basta estudar a história para perceber que o homem sempre buscou receitas para a vida e assim criou métodos e tendências sempre munidos de "manuais de instrução" para o novo tempo.

Populações inteiras acabaram seguindo as novas tendências como que algo que pudesse resgatar a paz e a harmonia em que viviam Adão e Eva antes do pecado.

Não precisa dizer que tanto o final como o meio dessas tendências foram desastrosos. O filme parece, mesmo que timidamente, querer despertar o mundo para uma nova proposta. Mas, já não foram testadas muitas outras propostas?

Penso que a questão não é criar uma nova consciência porque isso já foi feito à exaustão... Não seria o momento apropriado para aceitar as condições naturais que a própria vida nos indica? Não estaríamos no ponto de aceitar a sabedoria? aquela que não está sob as condições limitadas da inteligência humana mas sim de Deus, mas que não consiste algo que nasce da inteligência do homem?

Talvez aceitemos fazer parte de um todo que, por si, funciona harmonicamente sem a pretensão de acreditar que somos aptos a mudar qualquer que seja a peça deste imenso mecanismo.

Vejo aí o motivo desta vida ser um paradoxo. Ela sempre se mostra diferente daquilo que pensamos e é porque pensamos. Por isso, produzimos as próprias angústias.
"Livrar-se do lixo"

Aprendemos a obter a consciência do funcionamento e da estrutura do átomo, mas isso é apenas o primeiro passo. O que importa de verdade não é o que fazemos com esta informação?

Cabe a nós a compreensão da vida e não a sua montagem. Navegar na direção do rio, pois temos nas mãos apenas o leme que direciona para a direita e para a esquerda; o sentido é só um, para a frente. Tente voltar e será destroçado pela força das águas.

Mesmo porque, se a vida se "auto-organiza", por que tentamos nós montar este quebra-cabeças gigante? Será que se alterar a posição de apenas uma das peças as outras se encaixarão? Certamente não.

Eu prefiro seguir neste sentido... da vida simples, na qual não precisamos de toda aquela parafernália de explicações e cálculos que nos mostram que hoje estamos nesta ou naquela direção e que amanhã mudaremos 30 graus a estibordo com vento sul ou 48 graus a bombordo contrariando a correnteza. Quero navegar com vento pela popa e vislumbrar o céu de brigadeiro a que tenho direito.

A Natureza nos ensina, é só ouvir e prestar atenção.

O filme é ótimo, vale uma releitura.

Nunes

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O MEDO


“Um copo pode estar meio cheio ou meio vazio”... só depende de quem o observa. Ele pode ter a qualidade de conter uma porção de água ou a invalidez da falta da outra metade. O Evangelho de Mateus diz que “a candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz” Mat 6:22, ou seja, é a qualidade própria e íntima de cada um que, pelos olhos, define o copo e a vida com bom conteúdo ou a falta dele.

Falamos da falta para tentar compreendê-la, porém a falta não consiste; falamos do medo para tentar compreendê-lo, porém o medo também não consiste; é a metade vazia.

Falar do medo é tentar dar sentido ao que não há, pois ele nada é, apenas a expressão da ausência de fé e de coragem.

Observá-lo é olhar para o vazio e se lançar no abismo da ausência. Porém, se assim temos a qualidade de aprender, mesmo que pelo contraste do vazio, creio que vale a pena continuar. Vamos lá...

Vejo que é comum pessoas serem assaltadas mais de uma vez enquanto outras vivem a vida toda sem esta experiência e, às vezes, circulando por vias muito mais perigosas.

Vejo também pessoas determinadas pela fé construindo o que desejam.

Ao mesmo tempo que o medo é vazio, há que se cuidar porque o objeto deste medo, pela prática do medo, pode se materializar; assim como o objeto da fé se materializa pela prática da fé.

Sabemos que o medo é um sentimento que chega antes da decisão de andar por onde nunca se andou. E, dar-lhe autonomia, é preservar a vontade de permanecer no “porto seguro”, enquanto que fomos feitos para navegar.

O desejo de se preservar, às vezes, torna-se mais forte do que a necessidade de se lançar e fazer valer a vida, esta que só tem sentido pela própria missão.

Sendo assim, talvez não seja uma boa ideia se preservar. Jesus diz: “aquele que se apegar à própria vida a perderá” e acrescenta, “renegue a si mesmo”. Não seria este conselho traduzido como: - Mesmo que você queira se preservar, não haverá como...?

Se Deus dá a orientação e confiamos nEle, não seria mais prudente se lançar para dentro do Seu abismo do que preservar algo que sabemos que é efêmero, como o nosso corpo ou o orgulho, por exemplo? Não estou dizendo que não devemos cuidar do nosso corpo, mas viver somente para se preservar é que não faz sentido.

É a falta de confiança em si diante do desconhecido que provoca o medo. Ele aparece quando deixamos de acreditar que somos capazes de atitudes construtivas diante de qualquer falha que possa surgir pelo caminho.

Shankara, a maior mente filosófica da tradição védica, traz a seguinte parábola:
“Um homem está andando pela estrada à noite e vê uma grande cobra enrolada no chão. Foge apavorado e acorda todos com seus gritos de "cobra!”, “cobra!". Os habitantes de sua aldeia também ficam aterrorizados; as mulheres e crianças não querem mais sair de casa por causa da cobra, e o cotidiano começa a ser perturbado pela apreensão de todos. Então, alguém mais valente resolve dar uma olhada na tal cobra. Pede ao homem para lhe mostrar o lugar onde a viu e, quando chegam lá, descobrem que não é uma cobra, mas uma corda enrolada no meio da estrada. Todos os nossos medos, disse Shankara, foram construídos a partir de uma ilusão semelhante. De fato, nada de real pode ser separado daquilo que nos dizemos que é real”.

Ganhar a vida é o sentido; o medo está na contramão.

Sendo assim, se o medo se manifesta diante do desconhecido, a forma mais objetiva de eliminá-lo é buscar o conhecimento. É necessário saber em que chão se está pisando, mas não deixar de pisá-lo.

Queira conhecer profundamente o seu pai e a sua mãe, queira conhecer o novo relacionamento, o novo emprego ou a nova turma.

Aprenda como funciona a asa delta, como as condições de planeio pode te dar segurança quando a térmica acaba, conheça o seu centro de gravidade e as mudanças possíveis da posição pendular; investigue a qualidade da vela e do alumínio que forma a sua estrutura, mas VOE.

Faça valer cada minuto vivido e guarde a experiência desses minutos.

E o principal, queira conhecer Deus; descubra os seus porquês, preste atenção em cada conselho Seu e viva-os. Depois, quando ficar somente o que é mistério, a fé preencherá o que ainda não se pode conhecer.

Nunes

sábado, 3 de abril de 2010

HERANÇA


Recentemente visitei uma família quando um dos assuntos, discutidos na hora do jantar, tratava da herança que o meu amigo poderia receber dos seus pais ainda vivos.

O assunto se deu mais ou menos assim:

“Puxa vida! Estava tudo certo para a divisão da herança e a minha mãe resolveu não mais fazê-la. É isso que eu tenho esperado dos meus pais há anos e agora ela resolve não distribuir os bens da família. Será que eu terei que esperar que eles morram?!!”

Obviamente que isso soou como uma brincadeira no início, porém fui percebendo que o assunto era sério. Ele realmente estava decepcionado com a decisão da sua mãe e pior, completou dizendo que poderia ainda demorar muito até que eles morressem.

A perplexidade tomou conta de todo o meu pensamento - não conseguia sequer acompanhar os assuntos a partir daquela confissão, então, fiquei atónito e não mais consegui prestar atençao aos assuntos seguintes... e meditei.

É que naquele momento, resolvi, quase que compulsoriamente, fazer uma viagem no tempo.

Iniciei a minha viagem pelo passado, lembrei-me dos dias em que vi meu pai chegar em casa após um dia exaustivo de trabalho. Mesmo sendo uma pessoa esforçada, ele não teve a oportunidade de estudar e poder assim, usufruir de uma vida confortável. Sua sina o levou a se dedicar exclusivamente à nossa família e, tentando imaginar o que se passava em seus pensamentos, vi que a preocupação com a formação dos seus seis filhos não oferecia sequer um minuto de descanso à sua mente cansada. Pensar em si seria uma heresia na realidade que lhe sobrara, não havendo espaço sequer para guardar resquícios dos sonhos de criança que outrora firmaram seu semblante.

E minha mãe... naquele tempo não havia "chapinhas", dessas que as adolescentes usam para alisar os cabelos, mas mesmo tendo em sua penteadeira alguns produtos básicos de maquiagem... batom, pó-de-arroz... as oportunidades que a minha mãe tinha para se sentar em frente ao espelho e cuidar um pouquinho da sua aparência eram tão raras que posso me lembrar de cada uma delas em que pude ver.
Cabia à minha mãe a função de cuidar de cada centavo que meu pai conseguia trazer para nossa casa. Lembro-me que eram poucas as ocasiões em que tínhamos carne à mesa e, quando isso ocorria, minha mãe dividia os pedaços do bife em partes iguais para que cada filho tivesse o seu, e o detalhe que marcou nesta história foi que ela sempre cedia o seu pedaço de carne para o filho a quem percebia desejar um pouquinho mais.

Vidas inteiras entregues aos filhos como se não tivessem o direito de vive-las... viajar? – "não posso, com o dinheiro da viagem poderia comprar as roupas novas que as crianças estão precisando" e, brinquedos, nem pensar.

Estando diantes da necessidade de possuir o próprio teto, para assim deixar de pagar aluguel, com esforço acima do humano, os meus pais puderam guardar suas economias e pagar a prestação da casa onde morávamos. A casa que está guardada no meu coração, marcando a pureza de criança e trazendo à lembrança as brincadeiras que inventávamos no pé de Santa Bárbara, no gramado sob o pé de ameixa ou no fundo do quintal, onde papai plantava seu orgulho - sua horta verdinha, com seus doces moranguinhos e o produtivo mandiocal.

Foi lá que crescemos, oramos, brigamos às vezes e nos amamos à nossa maneira, onde o meu pai e a minha mãe preservaram à custa dos seus dias, o espírito da nossa família.

Esta casa muito simples, que poderia estar hoje como pivô de uma discussão se o assunto fosse partilha de herança, traz consigo a minha infância.

Tudo isso e muito mais veio à garganta, como uma erupção, que me explodiu no peito como um vulcão que, até então, se mostrava inativo. Percebi que fiquei a minha vida inteira cobrando dos meus pais coisas que nem me lembro mais, mostrando para mim o quanto fui mesquinho e por muito tempo. Pois tudo o que os meus pais me ofereceram representa agora uma avalanche de coisas boas, de momentos maravilhosos... eles me ofereceram uma família.

Aqueles poucos minutos em que precedia o jantar na casa dos meus amigos foram suficientes para passar em resumo toda a minha vida até aquele instante; e mais, minha viagem não parou ali, continuei na direção do meu futuro.

Hoje sou pai e, mesmo em diferente circunstância a que meus pais viveram, também sinto o quanto é difícil oferecer vida mais confortável aos filhos e poder oferecer-lhes algo melhor do que tivemos. Não quero sequer imaginar que as minhas filhas tenham que se humilhar tanto quanto precisei para poder construir honestamente as suas histórias.

Coloquei-me também no lugar dos pais daquele homem. Imaginei minhas filhas desejando o fim dos meus dias para se apossar das coisas que foram construídas não inutilmente, mas para que elas tivessem um pouco mais segurança e conforto comparado ao que eu tive.

Senti vontade de chorar, mas sei que ninguém iria entender o porquê das minhas lágrimas, por isso busquei desviar meu pensamento e me integrar na conversa como que me tornasse tirano dos meus próprios pensamentos. Mesmo porque acredito que somente eu assumi aquela idéia de forma tão profunda. Os outros a ouviram com a tranqüilidade de quem considera esta situação normal e do nosso quotidiano... ou talvez estejam se preparando para praticar uma história parecida, ou seja, tornando descartável a vida dos próprios pais.

Restou-me então, rezar e pedir que Deus compreendesse aquele coração tão incauto e frio para tentar transformá-lo e assim levá-lo a acreditar que as coisas deste mundo nos são dadas unicamente para administrá-las.

O sentimento de propriedade evidencia a ausência da fé, já que a necessidade de se sentir seguro neste mundo cala a promessa do cuidado do Pai.

Retornei então ao presente, mas agora de outra forma, porque o sentimento de gratidão me deixou uma forte vontade de abraçar meu pai e minha mãe e compartilhar com eles da liberdade que a renúncia ao apego lhes proporcionou e que marcou os anos dedicados à nossa família.

Agora sim, posso agradecer a herança que os meus queridos pais já me deixaram em vida: - saber que, neste mundo, a verdadeira liberdade está na prática do desapego.

FEITO POR MIM


Nestes tempos de globalização em que o tempo tem se tornado algo raro, a qualidade de um produto já não é mais medida pela quantidade de itens que podem ou não agradar o consumidor, e sim, pela praticidade e rapidez em que se permite ser consumido. Produtos que não requerem manipulação são os mais apreciados e concorrem entre si a ocupação dos espaços das prateleiras de supermercado. E, se continuarmos nesta idéia, pela “lei do menor esforço”, até o famoso “agite antes de usar” pode desaparecer dos frascos de suco.

É que estamos buscando menos trabalho, pois assim sobra mais tempo para trabalhar. Que idéia maluca!!!!

Self-service... fast-food... drive-thru... são produtos desta tendência, cujos termos já são agregados no vocábulo nacional, são os termos que se tornaram comuns e tidos como necessários à nossa sobrevivência nesta selva, tudo com sentido de rapidez. Até o “café expresso” nos soa como: “beba rapidinho e volte ao trabalho”. Não dá para relaxar tomando um café expresso!

Outro dia eu precisei de um curso rápido de leitura dinâmica, porem não tive tempo sequer para fazer a matrícula; ah... pensando bem achei dispensável, já que a pratico todos os dias para a leitura do noticiário, sendo assim, acabei me tornando auto-didata nesta atividade.

Voltando ao foco, o assunto são os produtos prontos para o consumo, voltemos a ele; ah!! não antes de relatar um fato ocorrido entre os meus:

Numa tarde desses domingos, acredito eu, propositadamente transformados em momentos dedicados ao ócio, propus aos meus sobrinhos construir pipas para aproveitarmos melhor o nosso dia, pois lavar o carro eles consideraram fora de cogitação, resmungando em tom de deboche: “- para isso existem os lava-jatos”.

Bem, como previ a negativa, eu já havia preparado o material: - comprei papel já recortado no tamanho e forma necessários, varetas prontas de bambu, cola de bastão, rabiolas prontas e linha. Não precisei daquelas latinhas de leite ninho para enrolar a linha, pois encontrei uma carretilha própria, desenvolvida especialmente para empinar pipas. Perfeita!

Também não tivemos trabalho nenhum para determinar o local do “cabresto” porque, junto com a carretilha, encontramos um manual simplificado que nos deu toda a orientação no sentido de montar nosso objeto voador, até então, não identificado. Nem precisava tanto, porque o papel que comprei já tinha pontilhado o contorno por onde as varetas seriam coladas já com o grau de envergadura necessário do arco de bambu. Que empolgação...

Não preciso dizer que voltei à minha infância naqueles nobres momentos; com algumas diferenças, é claro!. À época, as pipas tinham nomes específicos conforme o seu modelo. Tínhamos o “maranhão” que consistia uma pipa maior, com estrutura mais resistente, em forma de losango e sem rabiolas longas, as quais eram substituídas por franjas nas laterais – geralmente, estas voavam mais alto e necessitavam de linhas resistentes para suportar seu peso. Outras, chamadas, genericamente, de “papagaios”, que também tinham forma de losango, mas, diferente do maranhão, tinha rabiolas ao invés de franjas, e a “pipa”, que consistia numa estrutura pequena em forma de hexágono e com rabiolas muito longas.

Lembrei-me também do quanto era difícil encontrar um papel suficientemente leve e ao mesmo tempo resistente para a confecção das minhas pipas; as varetas de bambu eram especialmente escolhidas, pois deveriam estar secas, mas não ao ponto de quebrar com facilidade, tiradas de gomos longos de bambu para evitar os nós e, assim, produzir uma uniforme flexibilidade mantendo a leveza e a resistência.

A linha não poderia ser de retroz, pois não oferecia resistência suficiente para suportar as grandes alturas alcançadas pelas boas pipas... deveria ser de carretel. Não era muito fácil consegui-las, pois se tratava de um artefato caro à época e por isso nossos pais não compravam com facilidade. O jeito era praticar algum escambo, trocando-as pelo estilingue de garrote ou pelo bilboquê esquecido na velha caixa de madeira.

Obviamente que o prazer em empinar as minhas pipas era proporcional ao trabalho que eu dispunha para construí-las e, da mesma forma, o meu ego de menino se elevava na mesma altura em que elas voavam.

Queria poder transmitir aos meus sobrinhos a mesma sensação que outrora vivi e, no fundo, também poder reviver aqueles áureos momentos embalados na minha nostálgica empolgação.

Uma pausa para a rápida viagem no tempo e então iniciamos a construção da pipa.

Tudo corria bem, o projeto já existia e por isso concentramos os esforços na execução e linha de montagem.

Precisei dar uma forcinha e explicar alguns termos técnicos que usávamos nos tempos áureos, já que o vocabulário dos meus sobrinhos foi enriquecido pela era da informática na qual nasceram e, é claro, neste contexto não se fala em rabiola, cabresto, carretel, etc... eles possuem um dialeto próprio e enigmático para nós. Mas, assimilaram rapidinho.

Decidi então produzir simultaneamente três pipas, já que dispúnhamos de mão-de-obra suficiente para isso e, assim, assumi a coordenação dos trabalhos por possuir o “know-how”.

Confesso que não exerci muito bem a minha função, pois deixei que alguns materiais fossem desperdiçados por falta de orientação, como os cortes do bambu fora da proporção do papel e a colagem de rabiolas em local incorreto, mas tudo se resolveu quando decidimos por confeccionar uma única pipa e assim preservar o controle de qualidade.

Agora sim, tudo vai bem, esforços concentrados e no peito a esperança de ver a nossa pipa voar muito alto. Todos empolgados eu e...

... onde estão meus sobrinhos? Acabou ficando comigo somente o filho do vizinho, de dois anos, encantado com o colorido do papel.

Creio que os meus sobrinhos se cansaram com a complexidade do trabalho manual... ou talvez não aceitaram a idéia de não poder usar a tecla “del” quando algo dá errado pela falta de planejamento.

Talvez a construção de uma pipa exija um esforço extra para se aproximar da perfeição, já que qualquer erro pode por a perder o seu sucesso que é voar.

Permaneci empenhado, sei que quando eles a virem voar, se acotovelarão para disputar a posse da linha.

Pronto! Terminei o nosso objeto voador, agora sim identificado. Ficou bárbaro e passou nos primeiros testes de vôo. Sei que será um sucesso.

Chamei os garotos para o vôo inaugural e ouvi um desanimado - “espere um pouquinho tio, estamos terminando uma partida de videogame”. - Não tem problema, eu espero.

Tive que conter a minha empolgação, pois não quis por a voar a nossa obra sem que eles estivessem presentes. Vinte minutos se passaram e mais uma vez eu clamei a presença dos atores principais deste capítulo. O vento estava perfeito para o belo desempenho daquela que seria a nossa marca no firmamento - algo feito pelas nossas próprias mãos lá no céu.

Mais uma vez chamei, não conseguindo mais conter o meu ímpeto de ver voar a nossa pipa. Foi então que vieram, mas com um alerta: “ - Tem que ser rápido, tio, porque marcamos uma conversa no “msn” e a galera está esperando”.

- Tudo bem, vamos ao campinho porque o vento já está soprando, será um sucesso!!.

Os adolescentes desta geração são muito atarefados, têm muitas atividades e por isso precisam ocupar bem o tempo, mas vou tentar ser breve e mostrar um pouco do que fazíamos no meu tempo de adolescência.

O vôo foi um sucesso, resultado de muitos experimentos que ainda moravam na minha memória. Delirei ao ver a pipa viva no ar e subindo a cada vez que a oferecia fatias de liberdade ao soltar mais linha.

Em um instante eu voltei aos meus doze anos, pude respirar aquele mesmo ar de alegria e senti como se fosse ouvir o chamado da minha mãe para o banho, pois era chegada a hora de se preparar para ir à escola.

Desejei então compartilhar aquele momento com os meus companheiros de trabalho, mas estive tão empolgado que não os vi voltarem para casa; com um grito me disseram: - “valeu tio, parabéns pela pipa!”

Aproveitei meu momento mais alguns minutos e recolhi a pipa.

Voltei para casa e encontrei um deles no computador e, os outros dois, dormindo. Não percebi que estavam cansados...

Creio que não escolhi uma boa hora para mostrar algo diferente para estes garotos. Ou talvez eu não houvesse dado conta que também os domingos já se encontram disponíveis, como enlatados na prateleira do supermercado, prontos para serem consumidos, não precisando assim, de que eles sejam feitos por mim.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

JUÍZO E CONSCIÊNCIA


O que faz do humano um animal diferente dos outros?

Costumamos dizer que somos "racionais" e, assim, sendo da espécie Homo Sapiens, temos a capacidade de raciocinar.

Porém, se raciocinar significa fazer uso da razão, ou seja, da inteligência e, se conhecemos o potencial inteligente de muitos animais como o cachorro, o golfinho e o polvo, isto deixa de ser consistente para representar uma diferença, já que a manifestação do uso da inteligência não é atributo exclusivamente humano.

Bernard Williams, filósofo inglês contemporâneo, afirmou que “a grande inovação do Homo Sapiens é a importância do aprendizado não-genético”, ou seja, do aprendizado da consciência.

Nesta condição, de poder desenvolver a própria consciência, o homem tem a característica de se orientar por símbolos conceituais que representam fatos ou objetos, para a tomada de decisões.

O homem cria estes signos a partir do julgamento dos fatos, orientado pela própria experiência, pelo meio em que vive e pelo direcionamento que deseja dar a eles, preenchendo a consciência com estas imagens.

Aristóteles disse que “não se pode pensar sem imagens”. E é neste sentido que a consciência também se presta à compreensão da arte, fazendo dela a representação da psique humana.

Voltando à pergunta inicial, concluímos portanto que, o que nos difere verdadeiramente dos demais animais não é a razão e, sim, o nível de consciência, levando também a crer que na medida em que elevamos o nosso nível de consciência, distanciamo-nos do instinto animal e primitivo.

Mas, no que consiste a consciência? Onde ela se encontra e qual a sua finalidade?

Criando a minha imagem que represente a consciência, penso numa caixa de aço muito resistente, de formato esférico, porém irregular, que possui, em sua única porta, um grande cadeado que a mantém hermeticamente fechada e lacrada. Dentro desta caixa estão todas as imagens que criei para significar os conceitos sobre os diversos assuntos que já passaram pelos meus pensamentos. São imagens muito significativas, pois por elas eu me guio... e são elas que determinam todos os meus movimentos e pensamentos desde o momento em que eu acordo até o adormecer.

Penso que a consciência seja esta caixa de aço que se mantém inviolável, a não ser por minha vontade, pois só eu tenho a chave que abre o cadeado que a mantém lacrada. Sou o único responsável por tudo o que há dentro desta caixa, sendo este conteúdo negativo ou positivo, destrutivo ou construtivo, feio ou belo.

A Física Quântica declara que somos formados de energia e consciência. A energia pode ser moldada pela consciência e esta, por sua vez, pode ser moldada por nossa vontade. O que significa dizer que eu tenho o poder de construir o mundo com a forma que me convém.

O objeto do medo se materializará pela prática do medo e o objeto da fé se materializará pela prática da fé.

Infelizmente ou felizmente, somos os únicos responsáveis pela nossa própria felicidade. Se criamos imagens distorcidas e as armazenamos na consciência, teremos conceitos distorcidos dos fatos, objetos ou pessoas. Se, por outro lado, moldamos para o belo as imagens que criamos e assim as armazenarmos na consciência, teremos belos conceitos para usufruir.

Se eu posso abrir a minha “caixa preta” a qualquer momento e dela tirar os conceitos que não desejo e substituí-los por outros desejados, excluir o que não constrói e substituir pelo que constrói ou optar por preservá-la da “poluição”, por que não fazê-lo?

Temos o exemplo dado pelo ex-campeão mundial de futebol, Tostão, que recusou a indenização no valor aproximado de R$ 400.000,00, com verba pública, pretendida por projeto de lei em que o governo federal terá que beneficiar todos os ex-jogadores de futebol que disputaram copas do mundo em que o time do Brasil foi campeão. A argumentação de Tostão foi no sentido de que, à época, os jogadores já receberam um bom dinheiro pelos títulos e, se aceitasse este prêmio, estaria sendo infiel à sua dignidade e à sua condição de cidadão brasileiro.

De fato, Tostão não aceitou o dinheiro porque sabe que o valor da sua consciência é maior do que qualquer indenização monetária.

No livro escrito por José Saramago, intitulado “Ensaio sobre a cegueira”, o autor simula um estado em que as pessoas vão deixando de preservar a própria consciência e, assim, tornando-se cegas, com exceção de uma única pessoa que, preservando a sua consciência, metaforicamente, conserva também a sua visão.

O mundo de Saramago se tornou um cenário onde um cego guia outro cego, assim, acabavam caindo juntos no abismo.

Por fim, os cegos foram recuperando a visão, não sem antes reconstruírem a consciência coletiva, mas agora diante de um mundo devastado.

Na mesma analogia que relaciona a consciência à visão, na passagem bíblica que marca a sua conversão, Saulo de Tarso também viveu seu momento de cegueira quando, na estrada de Damasco, ele caiu e ouviu a voz de Jesus, que provocou a reflexão da sua consciência com a indagação: “Saulo, por que me persegues?”.

Saulo se permitiu abrir a própria “caixa de aço” da consciência e só então pôde perceber toda a destruição que as suas atitudes provocavam. Tirou de dentro dela os conceitos poluídos e então passou a construir a própria história, tornando-se um dos grandes apóstolos do Evangelho Cristão após recuperar a sua visão.

Que tenhamos a coragem de abrir a caixa da consciência, revirar as imagens que estão nela guardadas e substituir todas aquelas que seguem distorcidas, por belas figuras. Esta é a única forma que temos de nos tornarmos homens e mulheres novos, melhores e cada vez mais próximos de Deus.

Nunes