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Eu gosto de acreditar que “o pensamento é um pedacinho de futuro, que permanece no campo do sentimento até o momento em que se materializa”. Eu gosto de pensar, porque, assim sendo a vida, provida da qualidade de transformar o verbo em tudo, tudo vira possibilidade a partir de um pensamento, já que tudo se inicia a partir dele e tudo se realiza a partir de um sim. Os cientistas quânticos descobriram, agora de fato, que cada ser deste vasto universo possui o predicado de construir o seu mundo, com as nuances próprias de cada um e suas preferências. É portanto que desejo a sabedoria dos filósofos, mas, ainda mais, a realização dos meus pensamentos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O MEDO II


Um dia desses viajamos ao litoral para uma pescaria em família, onde, não fosse a nossa inexperiência e o espírito de irreverência que caracteriza alguns seres da trupe, creio que até pescaríamos alguns peixes de digno tamanho. Mas, naquele pequeno barco vermelho, de corredores estreitos e segurança duvidosa, dedicamos algumas horas quase exclusivamente para as brincadeiras, sobrando pouco tempo para a pescaria propriamente dita.

A princípio a minha irmã estava com medo de embarcar, medo de água e de peixe. E, como não demos a atenção esperada para as suas preocupações, ela logo deu um jeito de se acostumar e começou então a aproveitar o momento.

Entre piadas e brincadeiras o que se destacava eram as boas risadas sempre que alguém era pego em pegadinhas infames.

Teve de tudo, peixe limpo colocado no anzol de uma pescadora, que acreditou por alguns segundos ter pego um peixe morto e limpo, uma garrafa amarrada na ponta da linha da noiva do pescador mais eufórico, que sentindo o peso na vara, se empolgou pensando ter pego um peixe grande, pessoas se atirando no mar para resgatar vara de pesca perdida, além de outras parvoíces. Só o que não tinha era uma pescaria séria como desejava o dedicado noivo da minha irmã.

Entre os convidados havia um casal que veio de longe para a pescaria, cuja esposa nos apresentou especialmente divertida e espirituosa. Sempre extrovertida e imprevisível, ela marcou sua presença única, não só por ser uma figura exótica, mas por oferecer alegria para todo o grupo. No entanto, guarda um grande medo de não ter o que comer.

Em todas as refeições ela se antecipava para comer antes de qualquer um e dizia sem pudor: “ - preciso garantir o meu”.

Para nós parecia um sentimento absurdo, e até a satirizávamos por isso, como se não tivéssemos também os nossos medos. Este era o medo dela, este que tomamos por substantivo para ilustrar a ideia deste texto.

Levamos para o almoço da pescaria pães, tomates, cebolas e uma generosa porção de suculentas bistecas de boi.

Ainda não havíamos acendido o carvão da churrasqueira quando minha esposa resolveu antecipar o preparo da salada, fatiando os tomates e as cebolas. Não precisa dizer que não demorou muito para a nossa nova amiga se aproximar para “garantir o seu”, perguntando o que teríamos para o almoço, e minha esposa respondeu distraída: - “tomate, cebola e pão, é o que tem pra hoje”.

Mais do que depressa, a fulana sacou uns pãezinhos e os recheou com tomate e cebola, comendo rapidamente, saciando sua fome presente e futura.

Logo em seguida iniciei o preparo do churrasco, acendi o carvão e passei a temperar as bistecas. Ao ver que havia carne a nossa nova amiga se indignou e, frustrada, reclamou: “eu não sabia que tinha carne, agora estou estufada depois de ter comido tantos pães com salada... e nem de tomate eu gosto!”...

Parece engraçado, porém, não é tanto assim.

Tenho visto muitas pessoas deixando de aproveitar e viver bons momentos enquanto patrocinam seus medos, que não nasceram com elas, mas foram conquistados a partir de traumas mal resolvidos. Vejo vidas desperdiçadas, felicidades arruinadas e futuros destruídos por causa de um monstro potencial, que não passa de um sintoma puramente conceitual, oposto da confiança e da fé.

O medo antecipa nas pessoas a agressividade, o desespero e a fome; atrai os maus acontecimentos e elimina a força interior.

Por terem medo, atacam e difamam, matam e morrem. E, não raramente, semeiam a culpa aos que passam pelo caminho, livrando-se delas como a cobra se livra da velha pele. Pois, quem tem medo deve justificar-se sempre sob o risco de serem descobertas as suas fobias.

As oportunidades aportam para todos, e também para quem tem medo, porém, o triste hospedeiro desse mal acaba por não abrir mão do emprego, da cidade, da casa onde mora e da segurança mesquinha, que já matou de inanição a esperança, e deixam de embarcar nas novas aventuras. Ficam desvalidos de futuro melhor, inertes como o tronco de uma árvore que já morreu.

Quem preservar o medo jamais verá o pôr-do-sol deslumbrante e incrível como realmente é; não escalará a montanha para ver as florestas de cima; não voará nem jamais mergulhará no mar azul para colher a pérola brilhante. Quem pelo medo se deixa dominar não saboreia a bisteca suculenta, somente lamenta.

A fé é dom divino e gratuito.

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